 O Outono da professora Beth – Antônio Câmara da Silva

Antônio da Silva Câmara
Professor da FFCH/UFBA
Deptº de Sociologia

O outono tem sido representado nas artes de duas formas opostas: como um período da maturidade no qual as pessoas conseguem pensar de modo justo, sem deixar, no entanto, de preservar a paixão pela vida, o que normalmente implica em serenidade sem perda de dignidade. Ou como um período de rancor, resignação, oportunismo, pobreza de espírito, desrespeito ao seu próprio passado e aos dos outros. Esse é Outono dos que deixaram de sonhar em um mundo melhor, abandonaram-se à mediocridade do pensar dentro dos cânones permitidos. Esse combate pobre e raivoso ao ANDES-SN parece-me que corresponde a esse triste Outono.

O ANDES-SN é acusado de não ter registro sindical, mas para além das querelas jurídicas da má fé do governo (visando destruir um sindicato que tem mantido postura crítica em meio à maré de adesão), cabe-nos perguntar: O Andes-SN, e mesmo a CUT, não nasceu fora da estrutura sindical? O verdadeiro sindicato não precisa de reconhecimento jurídico-burocrático para atuar; só os sindicatos integrados ao Estado, herdeiros das práticas de colaboração de classe e alimentados pelo imposto sindical para existir precisam, antecipadamente do registro estatal. Acusam o ANDES-SN de manter a bandeira sindicato é para lutar e a substituem por sindicato é para negociar. Conseguem, assim, separar luta de negociação, ou implementam a linha da menor resistência. Diálogo e negociação sem luta é o máximo da adaptação ao status quo, o que nem mesmo o sindicalismo getulista aceitou praticar na íntegra. O que leva os inimigos do ANDES-SN a acreditar que os interesses estatais são exatamente os mesmos dos docentes? Talvez, a identificação cega com um governo “pai dos pobres” e “mãe dos ricos”.

É por isso, que ao mesmo tempo em que fingem negociar com o governo, fecham acordos de colaboração institucional que envolvem o presidente do neo-sindicato, aparato estatal PROIFES? Porque emudecer os sindicatos combativos? Porque tanta ânsia em tornar o sindicato um aparelho de Estado, dócil e colaborativo, agente da aplicação das políticas do Estado? No passado, ao leste e a oeste da Europa distintos governos absorveram o sindicato e silenciaram a voz da sociedade civil. Ao leste destruíram o sonho do socialismo substituído pela ditadura burocrática, a oeste praticaram os mais hediondos crimes contra a humanidade.

Acusam o ANDES-SN de escutar suas Assembléias de base, omitindo que esta instância é fruto da longa maturação da luta democrática dos movimentos sociais. O ANDES-SN não inventou as Assembléias (têm-se notícias dessas na Grécia antiga), mas é verdade que as incorporou de modo radical, qual seja: a direção do sindicato não pode desobedecer aquilo que é aprovado ou rejeitado por suas bases. Por esse motivo, demorou três anos para deliberar sua adesão à CUT, e outros tantos para se desfilar dessa mesma entidade. Por esse mesmo motivo, não pode assinar acordos rejeitados pelos professores. Não pode, enfim, ser linha auxiliar do Estado. Em lugar das Assembléias de bases, os seus opositores propuseram e praticaram a consulta por Internet, substituíram a razão comunicativa assentada sobre a apresentação de argumentos e busca de consenso mínimo pela consulta mecânica do a favor ou contra, que, através de listas de adesão, esconde a despolitização acelerada à qual é submetida a comunidade universitária. Com o novo método, estipula-se os contra ou os a favor do REUNI, do PROUNI, das cotas, dos vestibulares por ENADE, das mudanças drásticas em regimentos universitários, do fim da Dedicação Exclusiva , etc. Discutir e deliberar nacionalmente sobre tudo que diz respeito à vida universitária agora parece ocioso, e um sindicato que ainda insiste nisso, é retrogrado!

A defesa, nada cordata, do fim da filiação da APUB ao ANDES-SN e a filiação a uma entidade estatal parece ir na contra-mão da crise em que vivemos, pois, após setembro/08, com a perda de prestigio do neoliberalismo, devido à enxurrada do desemprego e do empobrecimento no mundo inteiro, voltou-se a falar a língua da luta, da resistência, da defesa intransigente dos direitos dos trabalhadores. Talvez a figura paternal, otimista e assistencialista do atual presidente pareça ser a garantia de um futuro, muito similar àquela prometida em um passado recente, quando capital e trabalho, sociedade e Estado, apareciam com um só e único interesse: o bem estar geral de todos!

Ou talvez, quem sabe, tudo isso apenas reflita o Outono daqueles que no passado acreditaram na luta, mas no presente apostam na negociação, nos cargos, na interface amiga entre o poder e o sindicato. Pobre e triste Outono, tão distinto e tão semelhante à velhice de Dorian Gray, personagem de Oscar Wilde.

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Leia também “Em defesa do Prof. Menandro Ramos” – de Antônio Câmara (AQUI)

Uma resposta to “ O Outono da professora Beth – Antônio Câmara da Silva”

  1. Raimundo Costa Says:

    Antônio da Silva Câmara a ” criança” esperança. ” Ou talvez, quem sabe, tudo isso apenas reflita o Outono daqueles que no passado acreditaram na luta, mas no presente apostam na negociação, nos cargos, na interface amiga entre o poder e o sindicato.”
    Você já sabe que é assim e será assim.
    Mande o poder e todos os “comunistas” de mentira tomar… o mundo é dos sacanas.

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