– A Cruz da Estrada

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grande poeta baiano, Antônio de Castro Alves, era religioso. Ou, pelo menos, cria em Deus. Nada mais natural, portanto, que palavras como “Deus”, “Senhor” e tantas outras afins fizessem parte do seu léxico poético. Também conhecido como o “Poeta dos Escravos”, ele colocou a sua pena, como se costumava dizer antes da máquina datilográfica e do teclado, a serviço da justiça social ou em favor dos negros que eram arrancados do continente africano para ser transformados em míseros corpos – ou máquinas vivas! -,  escravizados pela ambição do colonizador e ganância do capitalista. E ele o fez de forma magistral.

No seu poema A Cruz da Estrada, ele se insurge, segundo o Saci, contra o que poderia ser um gesto hipócrita do caminheiro… A mesma analogia meu estripulento amigo de gorro vermelho e pito traz – com insistência! -, para que os “caminheiros” da política e outros oportunistas, deixem em paz nomes de vultos históricos e heróicos de fato que lutaram por um mundo melhor, através da busca pela justiça social, e deram suas vidas pelas causas que acreditaram e defenderam com tenacidade. Entre esses heróis está o nome do revolucionário e também poeta baiano Carlos Marighella, cujo centenário de nascimento está sendo comemorado. (Veja mais AQUI)

– Nada mais natural, chefia, que Marighella seja lembrado pelos que comungam do ideário socialista, assim como ele comungou. Até aí, tudo bem! Agora, o nome do comandante revolucionário servir de palanque para os que naturalizam e legitimam a rapinagem capitalista e a escravização de um povo, através das ações, dos projetos e dos decretos, no mínimo é um despudor, que deve ser amplamente denunciado!

E, assim, o Saci me fez publicar o poema abaixo.

Menandro Ramos
Prof. da FACED/UFBA

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A cruz da estrada

Castro Alves

Caminheiro que passas pela estrada,
Seguindo pelo rumo do sertão,
Quando vires a cruz abandonada,
Deixa-a em paz dormir na solidão.

Que vale o ramo do alecrim cheiroso
Que lhe atiras nos braços ao passar?
Vais espantar o bando buliçoso
Das borboletas, que lá vão pousar.

É de um escravo humilde sepultura,
Foi-lhe a vida o velar de insônia atroz.
Deixa-o dormir no leito de verdura,
Que o Senhor dentre as selvas lhe compôs.

Não precisa de ti. O gaturamo
Geme, por ele, à tarde, no sertão.
E a juriti, do taquaral no ramo,
Povoa, soluçando, a solidão.

Dentre os braços da cruz, a parasita,
Num abraço de flores, se prendeu.
Chora orvalhos a grama, que palpita;
Lhe acende o vaga-lume o facho seu.

Quando, à noite, o silêncio habita as matas,
A sepultura fala a sós com Deus.
Prende-se a voz na boca das cascatas,
E as asas de ouro aos astros lá nos céus.

Caminheiro! do escravo desgraçado
O sono agora mesmo começou!
Não lhe toques no leito de noivado,
Há pouco a liberdade o desposou.

6 Respostas to “– A Cruz da Estrada”

  1. Fernanda Says:

    Querido Mena,

    Mais uma vez, me entusiamo com sua lucidez e sensibilidade, que, desta vez, vêm acompanhadas do nosso grande poeta.

    Feliz Ano Novo!

    Minhas saudades de você e do Saci.

    Fernanda

  2. osaciperere Says:

    Recebido por e-amail, cujo remetente prefere não ser identificado:
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    Excelente garimpagem, Saci. mas que não se confunda, nem de longe, o reconhecimento da oficialidade ou do estado burguês com o ramo do alecrim cheiroso […]

  3. Francisco Santana Says:

    Excelente comparação

  4. chico nunes Says:

    Mena, homem de Deus, Castro Alves era um poeta de grande coração, Marighella era um matador do homens!

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