• General Isopor – “El Tesourón”

General Isopor, carinhosamente conhecido entre seus pares por "El Tesourón", só tinha uma coisa em sua mente: tesourar! O que lhe valeu, certamente, muitas medalhas, comendas e o reconhecimento sincero dos seus superiores hierárquicos. (Uma arte do Saci).
Menandro Ramos
Prof. da FACED/UFBA
Com má vontade, comecei a ler o primeiro capítulo da tal novela que o Saci inventou escrever. E, de quebra, ilustrou com a figura do General Isopor, protagonista da história. Sobrou para mim. A pior coisa do mundo é você ter um amigo mago, com pretensão de ser um mala como Paulo Coelho. Ops! É o contrário: A pior coisa do mundo é você ter um amigo mala, com pretensão de ser um mago como Paulo Coelho. Coisinha aborrecida. Mas, fazer o quê? Travei o queixo numa posição que julguei parecer um sorriso interessado e – já resignado – enfrentei o sacrifício. O que não fazemos pelos amigos?
Assim ele começou a novela:
CAPÍTULO I – General Isopor – “El Tesourón”
“Era uma vez uma República que virou um Reino. Aos poucos, foi perdendo o seu nome, sua identidade e seu viço, tornando-se um soturno e gélido amontoado de papéis sem vida.
Passou a chamar-se Aplúmbea. Seu céu, outrora azul-anil, transfigurou-se para cor de chumbo, e suas matas já não refletiam o verde-esperança de tempos imemoriais. A ambição desmedida de alguns, a prepotência de outros, além da subserviência de muitos da corte, acabaram por transformar seus súditos em seres melancólicos e indiferentes. Desde que passou por lá um astucioso feiticeiro, pérfido de nascença, de nome Proibes, nunca mais foi visto o mais pálido esboço de sorriso nos lábios de um aplumbeano.
Quem mandava e desmandava naquele Reino, era o terrível General Isopor – cujo olhar era mais duro do que a asa da graúna petrificada – e que, por sua vez, era mandado não se sabe por quem. Mas que tinha alguém por trás dele, isso tinha. Ele era uma espécie de dublê de general e ordenança. Sorumbático por natureza, trocara, na juventude, o púlpito piedoso pela adaga dupla; a opa, pelo uniforme militar. Já na madureza, permutou o brandir da espada pelo tilintar da tesoura. E nisso ninguém jamais o igualou. Aliás, o que lhe valeu muitas medalhas, comendas e o reconhecimento sincero dos seus superiores paroquianos hierárquicos.
O velho General Isopor tinha a expertise natural dos que nasceram para cortar, cindir, sulcar. O que foi, aliás, muito cedo percebido pelos seus pares, motivo pelo qual o alcunharam, carinhosamente, de ‘El Tesourón’, pois ele só tinha uma coisa em sua mente: tesourar!” […]
Precisei interromper a leitura. Senti que a densidade do texto cada vez aumentava mais. Não tinha a menor idéia para onde o Saci pretendia me levar. Intuí que coisa boa não viria dali para frente. Não ia ser fácil eu me livrar daquela novela. Aproveitei o plim-plim da TV para fazer uma pausa também e tomar uma água. Antes, porém, achei que um pouco de elogio seria algo simpático:
– Puxa, Saci, você está me surpreendendo. Está muito interessante sua novela. Me dá só um minutinho. Vou ao banheiro. Estou meio apertado…
– Puxa, digo eu chefe! Pensei que pudesse contar com o seu apoio, seu incentivo. “Interessante” é pior do que péssimo…
– O que é isso Saci? De onde você tirou essa idéia?
Ainda tentei contornar a situação, mas era tarde. Todo amuado, foi recolhendo os papéis e parecia não me ouvir mais. Insisti, desculpei-me, humilhei-me… até! E ele, nada!
Lá para as tantas, desisti de querer paparicá-lo. Para mim, chegava! Retomei minha arrumação interrompida da estante. Não havia um canto no apartamento que não estivesse bagunçado. Urgia uma geral e já. Entreguei-me à dura lide de faxineiro e arrumador. Enquanto isso, eu tentava me acalmar internamente, se é correto assim dizer.
Mas no íntimo, aquela situação não me agradava. Sentia-me um tanto incomodado com seu calundu. Apesar da aridez do texto, talvez eu devesse ter mostrado mais receptividade. De toda forma, entretanto, eu tentara me desculpar e ele se fez de difícil. E até fizera pouco caso da minha tentativa de reconciliação. Na verdade, mesmo, ele até fora grosso. Isso sim.
Ao pensar naquilo, veio-me uma irritação súbita. Desaforo! Senti o sangue pulsar na minha carótida. Minha cabeça começou a latejar. Aquilo não ficaria por isso mesmo. Estourei.
– Sabe o que mais Saci, o que você tem de pequeno, tem de ousado e metido a besta. Quem você pensa que é? O que lhe fiz de tão grave? Você nesse seu estresse, mal eu…
– Chefe, chefe! – interrompeu-me o pestinha – um minutinho, por favor! Só um minutinho! Unzinho só! Não inverta a coisa. Se tem alguém estressado aqui, é você. E agora, eu é que não quero mais que você leia meus rascunhos. Se quiser saber o que vai acontecer com o General Isopor, vai ter que aguardar até eu publicar esse livro. E tem mais: não vai achá-lo de graça, não, vai ter que comprá-lo se quiser saber o final da história. E, até lá, morra de curiosidade!
Abrigando o calhamaço de papel debaixo do braço, dirigiu-se para a janela com o nariz empinado e o semblante amuado. Antes de rodopiar, ainda se voltou para me dizer, todo senhor de si:
– Sabe chefe, você tem razão. Sou pequeno sim, pequenino até demais. Mas pra seu governo, sou pequenino, mas só fito o ANDES!
E num volteio poderoso, desapareceu no horizonte.
***
– Taí, moleque altivo esse Saci! – pensei alto para meus botões e tudo o mais que estava ao meu entorno – Gosto desse pestinha! É a encarnação do Poeta Condoreiro!
***
Três horas depois, eu rolava na cama sem conseguir dormir. Não me conformava em não ter tido a idéia de bisbilhotar, nos rascunhos do Saci, o que acontecera com o General Isopor! Que droga!
dezembro 6, 2009 às 2:06 am |
good post
competitive intelligence
janeiro 14, 2010 às 9:53 pm |
Veja mais no texto “Israel, o Império contra-ataca.”.