– O conceito de “pelego”

 

Menandro Ramos
Prof. da FACED/UFBA

Ainda outro dia, eu lia para o meu amigo Saci uma versão infanto-juvenil das aventuras do grego Ulisses, depois do bafafá em que o rei da Ítaca se envolveu na mítica Guerra de Troia, contada pelo lendário Homero, na obra que ficou conhecida como Odisseia.

De quando em vez, o meu amigo pilantrinha começa a se balançar na rede, pra lá e pra cá, prá la e pra cá, prá la e pra cá. Às vezes, não me contenho e peço a ele para parar com aquele barulhinho irritante, mas o salafrário sempre se aproveita e me chantageia com pedidos de mordomia:

Mô men, cê lê pra mim uma historinha? Minha vista meio embaçada… Acho que vou ter que usar óculos…

Diante da visão de um Saci de óculos, rio para mim mesmo e acabo relaxando a guarda. Termino me submetendo aos caprichos burgueses do sacripanta. Quando penso que não, estou lendo em voz alta e, o pior, me deliciando com a história. Perdi a conta das vezes que isso aconteceu.

E foi justamente nas aventuras de Ulisses que o Saci me interrompeu para saber o que era “pelego”. Ali estava a palavrinha com todas as letras. Com ar assustado ele me questionou.

– Ué, chefe, há três mil anos já existia isso?

Um tanto desconcentrado, não saquei, inicialmente, a sua indagação:

– Existia o que, Saci?

– Pelego, chefe! Você acabou de ler…

Quando a ficha caiu, expliquei que o termo “pelego” se referia a uma pele de animal e não tinha nada a ver com o sentido que era usado contemporaneamente nas contendas sindicais.

Ainda tentei prosseguir a leitura, mas ele já corria para a internet. Segundos depois, o pestinha me questionava.

– Como não tem a ver com o uso contemporâneo, chefia? Como não? Escuta isso! Tem tudo a ver, sim! Passou, então, a ler algo da tela do computador: 

pelego=Pelego é um termo depreciativo utilizado no jargão do movimento sindical para se referir aos líderes ou representantes de um sindicato que em vez de lutar pelo interesse dos trabalhadores, defende secretamente os interesses do empregador [destaque do Saci para o blog], ainda que tal atitude seja descoberta, cedo ou tarde.

A palavra tem como origem o pelego utilizado pelos cavaleiros gaúchos. Trata-se de um pedaço de lã de carneiro, colocado sobre a sela e preso por uma tira de couro chamada barrigueira, para que não escorregue. Sua função é amaciar o assento do arreio de lida com o gado.

Essa postura intermediária, por analogia, passou àquele que deveria representar os trabalhadores, mas os amacia, para que estes não lutem por seus interesses. Trata-se de ofensa muito grave no contexto sindical, utilizada pelo menos desde os anos 40.

(Depois soube que a fonte era: http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20080527122355AAJUPEk)

Meio chateado por ele ter me deixado lendo em voz alta, feito pateta, depois de ter se mandado, nem escutei o que ele leu e ainda fiz pouco caso.

– Internet! Hum! Agora tudo é internet! Ninguém consulta mais uma enciclopédia, um dicionário…

O pilantra não se fez de rogado. De um pulo felino alcançou o Aurélio. Seus dedos ágeis faziam com as páginas o que os poucos caixas de banco ainda existentes (substituídos, hoje, pelos cash eletrônicos) fazem com as cédulas. Trrrrrrrrrrrrrr! Como o perdão da onomatopeia chinfrim…

Na minha frente, ele exibia triunfante o dicionário.

Oqui, chefe, oqui! A mesmíssima coisa! Apenas com palavras diferentes…

Não tive outra alternativa senão ler o catatau que ele, praticamente, me esfregou no rosto:

(ê). [Do esp. pellejo.]

S. m.

 1.      Bras. A pele do carneiro com a lã: “Trazia o sertanejo …. na garupa a maleta de pelego de carneiro”  (José de Alencar, O Sertanejo, p. 36). 

 2.      Bras. Essa pele, usada nos arreios à maneira de xairel.

 3.      Bras. Tapete feito dessa pele.

 4.      Bras. Deprec.  Designação comum aos agentes mais ou menos disfarçados do Ministério do Trabalho nos sindicatos operários.

 5.      Bras. Fig. Pessoa subserviente; capacho.

 6.      RS Passo errado nas danças gaúchas. 

Quando terminei a leitura, não tive como não deixar de me lembrar da zanga de alguns colegas quando são chamados de “pelego”. Na minha santa ignorância, nunca atinei para o sentido real do termo. De fato, é muito forte. Ao comentar com o Saci sobre a contribuição que dera para diminuir a minha pobreza vocabular, ele, com ar modesto, minimizou seu feito.

Quequié isso chefia?! Eu também não sabia. E foi por isso que pesquisei na internet e confirmei no dicionário. De fato, “pelego” é uma palavra forte e a gente nem se dá conta quando a pronuncia. Não é à-toa que ninguém quer vestir a carapuça… Até mesmo quem o é,  jamais irá admitir que  o seja. Deus é menino? D’está!…

2 Respostas to “– O conceito de “pelego””

  1. osaciperere Says:

    Postado na lista “debates-l”:
    ———-

    Prezados,

    Faço eco ao que foi escrito por Waldomiro. Eu me senti suficientemente esclarecido e tomei uma decisão informada, de acordo com minhas convicções. Pena que, para certos docentes, as convicções deles mesmos pareçam a verdade, e a dos outros, peleguismo, alienação etc.
    Infelizmente, desse modo, estão sepultadas, desde o começo, as condições para o debate frutífero, que pedem respeito às posições discordantes. Uma pena que certas pessoas se arvorem da posição de ‘Inteligência’ de todos e não possam lidar bem com posições discordantes. Não me parece que, desse modo, estamos na seara da efetiva universidade, mas em outra seara, onde o debate e as discordâncias não são tão bem vindas…

    Att
    Charbel El-Hani

  2. Lúcia Fernandes Lobato Says:

    Qual é a seara da efetiva Universidade e qual é o debate onde as discordâncias não são tão bem vindas a que o professor Charbel se refere????? Fala de coisas que não acontecem há muito tempo na UFBa!!!!! Ou será que a UFBa do professor é uma outra que nós não conhecemos e os debates que ele frequenta não são divulgados para nós que estamos nas sala de aulas e nas pesquisas?
    A única concordância que tenho com o professor é que está quase tudo sepultado mesmo.
    Lúcia Lobato

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