• $aúde e colesterol ruim (título provisório)

 



Menandro Ramos
Prof. da FACED/UFBA

O Saci tem recebido muitas mensagens por meu intermédio. Os leitores acabaram me elegendo seu legítimo representante, como se fôssemos uma só pessoa. Adianta dizer que somos distintos um do outro e que eu não sou ele? Perda de tempo… Nem insisto mais em querer provar o contrário. Talvez em outros tempos… Claro que, às vezes, temos acordo sobre certos assuntos, mas de um modo geral, vivemos emendando os bigodes, apesar de o atentado ser imberbe… Inclusive ele tem e-mail próprio, com login, senha só para ele e eu viro o rosto para o lado quando estou perto e ele vai acessá-lo. Apesar de ser seu amigo, o que é dele, é dele. É a individualidade de cada um. Pessoal e intransferível. Aqui está seu endereço para quem acha que estou brincando: osaciperere@hotmail.com.

Não que, com isso, eu me oponha a ser uma espécie de seu leva-e-traz. Tudo bem. Eu o faço com todo prazer, sem ver demérito na coisa.

“Religiosamente” (entenda-se aqui o termo como recurso retórico, é claro) encaminho para ele tudo o que recebo, desde que o próprio seja o destinatário. E isso é óbvio. Tuuudo, sem exceção. Até os mais descabidos assuntos, como um e-mail que recebi, recentemente, de uma solitária criatura que pedia ao moleque dicas para conquistar uma paixão não-correspondida, mesmo a pessoa missivista estando ciente de que o assunto era estranho ao espírito do weblog do Saci. Não queria que dissessem, depois, que eu estava me comportando como certos moderadores de algumas listas conhecidas…

Pensei até em criar uma seção “Correio Sentimental”, caso as mensagens continuassem a chegar. Afinal, como administrador do seu blog, tenho que ficar antenados às necessidades que vão surgindo. Não é à toa que, em menos de dois meses, recebemos mais de duas mil visitas. Ou o leitor acha que é só pelo gorrinho vermelho dele? De qualquer modo, sei que é sempre um risco confiar as flechas de Cupido ao moleque arteiro. Imagine o desespero de um coração valente apaixonando-se por um coração pelego, só por deboche ou pirraça do traquinas ou, simplesmente, por querer abusar mesmo… Sentiu só o drama? Visualizou? Felizmente, as mensagens contendo assuntos do coração minguaram e o tal “Correio Sentimental” não foi criado. Ou, pelo menos, ainda não. Do fundo do meu órgão cordial, torço para que isso nunca aconteça. Que outros desviem a função das coisas, dos sindicatos, por exemplo, –  “flexibilizem-nos”, como dizem – isso é com eles. Comigo não: sindicato continua sendo para lutar e Blog de Saci para sacizar. Que me vejam, então, como careta, radical, dinossauro! Petê saudações. É assim que eu penso.

E, com essa explanação, o leitor passa a entender melhor a razão do Saci dizer que sou prolixo. Quatro inúteis parágrafos como preâmbulo da mensagem de um professor aflito com a grana gasta no plano de saúde! É inacreditável. Parecendo até um balancete que vi outro dia. O gasto com alguns itens era algo surrealista. Mas isso é uma outra história. Voltemos ao e-mail sobre o Plano de Saúde. Penitenciando-me, ultra objetivo, curto e grosso, ei-lo transcrito com ínfimas omissões:

Prezado Saci, […]

O porquê de me dirigir ao Saci […], para implementar essa discussão é que sinto que o Saci bole realmente com o povo, e a questão que quero abordar é daquelas que devem bulir mesmo!

Gostaria imensamente que o Saci descobrisse a razão desse povo dos Sindicatos dos movimentos docentes e dos funcionários (APUB e ASSUFBA) não INVESTIREM na melhoria do SERVIÇO MÉDICO DA UNIVERSIDADE, no lugar dos Planos saúde. (Até de natureza autogestão, como é o caso daquele que não é mais da APUB sozinha).

Creio que seria muito mais proveitoso para todos nós se a grana que investimos (altas mensalidades dos Planos saúde) fosse investida na melhoria do SERVIÇO MÉDICO DA UNIVERSIDADE, com melhoria salarial para os médicos e funcionários do SMU, melhoria de aparelhagem, de instalações, ampliação de espaço físico, implementação de EMERGÊNCIA E URGÊNCIA, etc., pois, temos excelentes profissionais ali trabalhando, que a despeito das dificuldades, fornecem serviços de alta relevância para a comunidade universitária que o procura. (Não troco meu cardiologista do SMU (Dr. Haroldo) por nenhum outro.

AH! já ia me esquecendo de citar o grande serviço da Escola de Farmácia, que com seus bons serviços, assim como o SMU, presta com qualidade suporte aos exames solicitados.

Querido Saci, veja se você pode nos ajudar nessa discussão!!!

Abraço Amigo
Do amigo
[…]

***

Ele a leu com o semblante grave. Só um detalhe. Ao concluir a leitura, o pilantra acendeu o seu pito e foi enfumaçando toda a sala até eu não enxergar sequer a tela do computador. Tossi, resmunguei e, finalmente, fui obrigado a me refugiar no quarto. O cheiro forte de fumo de rolo me asfixiava. Parece que era aquilo mesmo que o pestinha queria. Quando retornei à sala, ele já não mais se encontrava. Fiquei furioso. Depois, fui aos poucos me acalmando. Adiantava me estressar?

***

Eu já entendo seus silêncios, suas mumunhas. Quando ele não quer falar sobre certos assuntos, simplesmente, se manda. E aí me deixa com esse horror de caranguejo na lata da cabeça, numa barulheira infernal.

 
Por que ele se recusou falar sobre esse assunto? Então, a saúde do trabalhador para ele não é importante? Lembrei-me que, quando comento qualquer coisa sobre as dores nas juntas que me afligem, ele me olha sempre com um olhar sarcástico, semipenoso e me faz a indefectível pergunta:

Hipo, hipo, por que consomes tanto miojo, e por que não sais da frente desse computador para dar uma voltinha no Dique? Lá é tão agradável!… E, quase sempre, complementa: – O perímetro do teu abdômen, há muito, já passou dos 92 cm e a tua pressão arterial está descompensada. Ande Hipo, saia de perto dessa tela, os acidentes cardiovasculares acontecem… Caminhe Hipo, fuja da gordura, dos médicos e dos remédios. Marque um encontro com as frutas, os legumes e as verduras… (De repente, me ocorre que Hipo não vem de hipopótamo, como eu imaginara, mas de hipocondríaco. Pode, isso? Eu hipocondríaco! Imagine! Nunca me ocorrera que ele… Deixa pra lá).

Como o leitor pode testemunhar, não me resta outra alternativa senão encaminhar a mensagem supra à própria APUB. Talvez alguém explique alguma coisa lá.

No passado, lembro-me da posição de uma professora, que hoje faz parte da atual diretoria. Aliás, era uma posição que eu louvava. Mas as coisas mudam e o ideário da flexilização vem se alastrando celeremente nos corações e cucas… Logo que o Plano de Saúde foi criado, essa colega dizia que a luta dos sindicatos devia ser por um SUS de qualidade – o que beneficiaria todos os trabalhadores – e não o investimento em planos privados, em outras palavras,  que traria apenas privilégios para professores, jornalistas, bancários, magistrados e os que podiam destinar uma boa grana para esse fim.

Mas o Plano de Saúde (acertadamente ou não – julgue o leitor) foi criado e nos acostumamos com ele (exceto com o valor cobrado, pelo menos eu). E logo passou a ser moeda de terrorismo eleitoral. Lembro-me quando participamos da campanha em favor da nossa chapa, que depois se tornou vitoriosa. O terror foi instalado. A notícia que nos chegava, pela boca dos nossos apoiadores, era a de que, nossos opositores, tentavam intimidar os colegas aposentados dizendo que iríamos acabar com o Plano, como se tivéssemos o poder de passar por cima das Assembléias (na última eleição, ouvi a mesma coisa dita sobre a chapa que apoiei; parece que a manobra já virou chavão).

Ainda assim, naquela outra ocasião, a tentativa de engodo falhou e conseguimos nos eleger.

Depois veio o governo Lula e o movimento sindical foi passando por uma maré de urucubaca – como costuma dizer o Saci – e chegamos ao fundo do poço (ou quase isso) que nos encontramos hoje. O Proifes está aí para não me deixar mentir. Mudaram-se os empenhos e as bandeiras. Para alguns dirigentes, sindicato não é mais para lutar, mas para comemorar, para acordar meio-ingresso, meia-bolsa, meio-funeral, o diabo! Este último, integralmente.

***

Eu estava absorto nos meus pensamentos sobre as perdas e danos do trabalhador, quando senti a sala escurecer e um bólido rubro-negro pululante e fumegante pousar aprubto na cadeira quebrada de três pernas. Era o fujão com algo enrolado num papel de embrulho cor-de-rosa.

Fiz pouco caso da sua presença. Ignorei-o.

– Não era, então, eu que iria pedir sua opinião sobre as questões ligadas à saúde do trabalhador – pensei.  – Tenho que me impor. E depois, o que ele entende disso? O que eu ia fazer era o que devia ser feito. Encaminharia o problema para quem de direito. Remeteria o e-mail do colega e querido amigo à Diretoria da APUB (omiti o nome dele porque não houve tempo hábil de consultá-lo quanto à publicização da sua assinatura na mensagem).

O Saci sacou o gelo que eu tentava lhe dar e foi logo contra-atacando:

Rapá, o estômago tava colado. Tive que descolá um rango. Trouxe um pro mô bródi também.

Desdenhei-o cruelmente. Assoviei, liguei a TV no último volume, fiz um sanduíche de goiabada com biscoitos creme cracker de gergelim, ignorando-o totalmente. Pelo canto do olho percebi-o balançando na sua cadeira predileta de três pernas, meio tristinho, cabisbaixo. Aquele jeito desprotegido quase me comoveu. Resisti. – Ele é cheio de truques – fortaleci-me com a idéia. Não posso baixar a guarda.

Já meio cheio de dedos, resolvi entrar no banheiro. Abasteci-me de algumas revistas. Li até cansar. Ao ouvir a chamada para o Jornal das Oito, apressei-me e corri para o box. Minutos depois, quando ainda enxugava o cabelo, ouvi algo sobre o mensalão. Aquilo me interessava.

Nem cheguei a sair do banheiro, quando um cheiro delicioso disputou com o xampu e o enxaguante os meus sensores nasais. Adiei informar-me sobre o novo escândalo ou a quantas andava a gripe suína, para investigar de onde vinha aquele aroma irresistível. Aroma, não; olor, fragrância. Percebi que o Saci já tinha se mandado. – Melhor assim! – pensei.

Não demorei muito para deparar-me com o pacote cor-de-rosa, cuidadosamente disposto sobre um prato de sobremesa, acompanhado, elegantemente, à direita, por uma faca e à esquerda por um garfo. O Saci fora um perfeito Maître-d’hôtel. Saquei logo o nada misterioso conteúdo. Abri-o sofregamente. Besuntei, sem o menor cuidado, os dedos de vatapá. A barba e o bigode tingiram-se do amarelo dourado da flor do azeite de dendê. A pimenta estava no ponto. O óleo era abundante, mas eu só sentia a massa crocante e achava quase impossível a existência do tal LDL – o temido colesterol ruim. Nem a Profa. Mary Arapiraca, minha colega e amiga, fanática como ninguém por aquelas iguarias, teria apreciado aquilo tudo melhor do que apreciei.

Pouco tempo depois, executada a nobre função de reduzir a míseros farelos – além de uma massa pastosa prazerosamente deglutida – o acarajé de Dona Edna, a baiana das Mercês, restava-me, apenas, recolher os resíduos de tomate e camarão que davam ao meu teclado e mouse um aspecto de pertencerem a um dono desleixado e bodoso.

***

Já deitado na rede e tentando equilibrar o copo de refrigerante, não pude deixar de reconhecer o gesto generoso do Saci – ainda que o sentimento de gratidão digladiasse com um outro, o da culpa cristã de um dos Sete Pecados Capitais.

Agora não saíam da minha cabeça as palavras do Saci sobre o perímetro do meu abdômen…

Confesso que nem me lembrava mais o que escrevera o meu colega e amigo sobre o Plano de Saúde da APUB. Juro por Deus!

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OBs.: O título é “$aúde e colesterol ruim (título provisório)” e não ruins, como alguém pode ficar tentado a remendar…

Uma resposta to “• $aúde e colesterol ruim (título provisório)”

  1. Mary Arapiraca Says:

    Caro Hipo,

    com ou sem reflexão do Saci, o preço do plano está ficando mais alto e “mais pior ruim” do que a soma de nossos LDL. Já estou pensando em pular fora e acho bem adequada a proposta de se investir no serviço médico da universidade. Falaremos melhor sobre isso ao lado do tabuleiro de dona Edna.

    Abs,
    Mary

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