Dois pesos, duas medidas

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MATANÇA CABULA 2016cap a 33.

Menandro Ramos
Prof. da FACED/UFBA

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mensagem do Prof. Jorge Nóvoa sensibilizou a todos. É indiscutível a pertinência dos seus receios e cuidados:

 

“Na verdade, o aspecto mais importante do fato de ontem foi a natureza política da operação. Não cabe nenhuma leitura ingênua: existe uma operação em curso para LINCHAR A FIGURA POLÍTICA DE LULA visando não passado, não apenas o presente, mas sobretudo O FUTURO DO PODER POLÍTICO NO BRASIL”.

Precisamos estar alertas, sem sombra de dúvida, pois é sempre possível alterar o esforço do construto democrático da pólis. E alterar para pior. A História nos mostra isso. Teme-se, e com com razão, pela saúde do ordenamento jurídico do estado de direito. É vero.

Mas se é verdade que “a crise que estamos vivendo, na atualidade, assume também, uma natureza de crise jurídica-política”, conforme o Prof. Nóvoa, por outro lado, talvez não devamos apostar todas as fichas nos institutos jurídicos da ordem/desordem capitalista. Claro que têm as suas serventias. Para questões de brigas de trânsito, de desentendimento de casal, de reconhecimento de paternidade e quejandos, de fato, o Direito que temos aí pode dar boas contribuições. Para as questões extremas, não, como a função social da propriedade, o direito a viver com dignidade, ao direito de morar bem, de ter acesso a boas escolas, bons hospitais, boa alimentação, direito à mobilidade urbana, aos bens culturais da humanidade, direito à paz… A lista é extensa.

O velho Marx, que antes de se enveredar pela Filosofia e Economia Política, teve a sua formação primeira nas Ciências Jurídicas. Sabia, portanto,  muito bem o que significava o direito burguês. Não foi à toa que formulou no seu horizonte de mundo o desaparecimento do Estado, esse extraordinário instrumento que permite que 1% de indivíduos do planeta domine os 99% restantes. A compreensão marxiana – ou parte dela -, que se tem hoje é a de que o estado moderno é uma invenção do modo de produção capitalista e, dentro dele é tecido o instituto jurídico que o legitima e o torna legal. É a partir de um contrato que se dá a exploração do trabalhador, portanto, na forma da Lei. Antes, ou nos modos de produção anteriores, não havia isso. No modo de produção escravista, na Antiguidade, um senhor podia matar o seu escravo, se assim lhe aprouvesse, pois o mesmo pertencia-lhe como um simples instrumento de transformação da natureza, uma res, como uma enxada, uma pá, um arado. Na Idade Média, o senhor dispunha da propriedade da terra pelo uso força e por vontade divina. Desse modo, acabava tendo o controle sobre o servo, pois era detentor dos meios de produção e da reprodução da vida. Já na Modernidade, tudo se dá por um simples contrato amparado pelo Estado que detém o privilégio da criação da lei e do uso da força.

Acaso a matança de seis milhões de judeus, ciganos e homossexuais, na Alemanha nazista, não se deu pela competência de um dos seus grandes juristas, o também filósofo político Carl Scmitt, que simplesmente cumpriu o direito (in) posto? É sabido que não houve nenhuma violação da carta constitucional da Alemanha da década de 1930. Todo o ritual do processo legal foi cumprido. Nenhum carrasco responsável pela abertura dos dispositivos que liberavam o gás asfixiante, patrocinador do hediondo Holocausto, agiu por conta própria. Tudo era feito segundo o protocolo jurídico-estatal.

Donde se conclui que também pelo direito normativo, exemplarmente respeitado, pode-se tranquilamente chegar ao inferno…

Talvez a turma do “socialismo petista” – e seus apoiadores do PCdoB-, devesse   ler o livrinho “Socialismo Jurídico”, de Engels e Kautsky (antes deste tornar-se um renegado), em que os autores utilizam a ironia para o título, já que o ideário marxiano, tão presente na retórica de alguns companheiros do governo, não comporta o Estado, e muito menos o instituto jurídico burguês…

Do mesmo modo, a leitura de “Marxismo e direito – um estudo sobre Pachukanis”, do Prof. Márcio Bilharinho Naves, talvez ajude a desobnubilar o horizonte confuso da militância petista acerca do socialismo. Esclarece-se que Evgeni Pachukanis (1891-1937) foi um notável jurista soviético  – morto sob as bênçãos de Josef Stalin -, que refletiu sobra a impossibilidade teórica da existência de um direito socialista.

É sempre bom lembrar que, a despeito da  importância do debate sobre essas questões, nem sempre a UFBA se manifestou sobre as mesmas. Talvez nunca. Apesar de o Blog do Saci-Pererê ter chamado a atenção, na “debates-l”, para o regime de exceção que o governo petista Rui Costa estava construindo no seu alvorecer, ou logo após ter tomado posse, quase ninguém se manifestou. Que eu me lembre, apenas o Prof. Fernando Conceição, da FACOM/UFBA.

Alguém ainda se lembra do triste episódio em que treze jovens negros foram mortos por uma operação policial infeliz? Salvo engano, a faculdade de Direito não se manifestou sobre o assunto. Muito menos a APUB, ou professores ligados às questões dos Direitos Humanos… Por que razão a omissão prevaleceu? Seria diferente se um carlista estivesse no comando do Palácio de Ondina?

Ainda que entendendo que o juiz Moro bem que podia ter se valido de outros procedimentos para que a Polícia Federal ouvisse o presidente Lula sobre a Operação Lava Jato, ainda assim, não soube de nenhuma truculência praticada pelos agentes da lei contra o depoente petista. Ao contrário. O próprio Lula mencionou que foi muito bem tratado antes e depois do interrogatório. A nota do MPF, abaixo, traduz a preocupação que se teve em não constranger o presidente – além do inevitável constrangimento possível para uma situação dessa natureza.

Ressalta a Força Tarefa do Ministério Público Federal que a investigação sobre o ex-Presidente não constitui juízo de valor sobre quem ele é ou sobre o significado histórico dessa personalidade, mas sim um juízo de investigação sobre fatos e atos determinados, que estão sob suspeita. Dentro de uma república, mesmo pessoas ilustres e poderosas devem estarbox 44 sujeitas ao escrutínio judicial quando houver fundada suspeita de atividade criminosa, a qual se apoia, neste caso, em dezenas de depoimentos e ampla prova documental. Conforme colocou a decisão judicial, “embora o ex-Presidente mereça todo o respeito, em virtude da dignidade do cargo que ocupou (sem prejuízo do respeito devido a qualquer pessoa), isso não significa que está imune à investigação, já que presentes justificativas para tanto.

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Certamente, o Prof. Jorge Nóvoa entenderá que a nossa postura aqui não é a de advogar o patíbulo para quem quer que seja, e muito menos de apoiar qualquer desvio do que entendemos por democracia, ainda que burguesa, mas tão somente chamar a atenção para questões que vêm, simplesmente, passando de largo sem a devida atenção dos que dispõem de robustos instrumentos teóricos críticos para discuti-las e destrinchá-las. Incluiria nesse rol, sem nenhuma dúvida, até a militância petista mais consciente e menos massa de manobra dos “capos”…

Se o entendimento de que a decisão do juiz Moro, visto por alguns como “amigo do PSDB”, atentou contra o estado de direito, e a chacina do Cabula – até aplaudida pelo governador baiano do PT, evocando uma infeliz metáfora futebolística -, foi um mero auto de resistência, para mascarar a prática genocida da PM contra pobres e negros de bairros periféricos, sem dúvida, há algo podre no Reino da Dinamarca, parafraseando Shakespeare, para não mencionar a prática cínica de dois pesos e duas medidas em questões ligadas ao Direito do pobre e do abonado economicamente. De berço ou não.

 

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Caro Menandro e demais colegas e amigos,
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A situação é grave é pode se agravar ainda mais. Algumas leituras foram feitas da Operação Anthem iniciada ontem com a chamada Condução Coercitiva aplicada ao ex-Presidente Lula merecem ser interpretadas. NO CASO DESTA LEITURA (do Jurista Renato Brasileiro, Professor da USP) E O QUE O MAIS IMPORTANTE – a natureza política da Operação – FICA TOTALMENTE DE FORA da análise dele. É quase irritante essa postura vestal de querer ler a gravidade de uma situação sem considerar a inevitável dimensão política dos elementos da realidade, como se ela fosse feita de leis e de suas aplicações corretas. Na verdade, o aspecto mais importante do fato de ontem foi a natureza política da operação. Não cabe nenhuma leitura ingênua: existe uma operação em curso para LINCHAR A FIGURA POLÍTICA DE LULA visando não passado, não apenas o presente, mas sobretudo O FUTURO DO PODER POLÍTICO NO BRASIL. Esta disputa não é apenas “brasileira”. No mundo globalizado, nada é apenas “regional”, “nacional” e muito menos ainda numa região chamada BRASIL. Haja vista a orquestração dos conceitos QUANTIS das bolsas de valores, das instituições e revistas que “medem” a credibilidade do Brasil como “bom pagador”, e espaço bom ou ruim para os investimentos. Tudo isso ocorre numa dupla linguagem porque, ao mesmo tempo que ocorrem os rebaixamentos de credibilidade internacional, o Governo Dilma aumenta as taxas de juros e o pagamento de 200 bilhões de dólares correspondentes aos juros da dívida brasileira.
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É verdade, pois, que as diferenças do Governo Dilma daquele possível da oposição – caso venha ocorrer a derrubada de Dilma antes do final de seu mandato, é de quantidade e não de natureza. É uma diferença de forma em relação a como servir a setores das elites, dos aparelhos do estado e do capital. Vários empresários brasileiros se solidarizaram ontem com Lula. E o PT, Dilma e Lula têm responsabilidades nisso tudo, para o bem e para o mal. Mas, por isto mesmo, por mais que se tenha críticas a Lula, ao PT e à Dilma, a pretensão de “SALVAR O PAÍS” com os “métodos MORO”-PSDB-PMDB-DEM-PP-PPS-PTB, com a ESPETACULARIZAÇÃO MIDIÁTICA comandada pela Rede Globo (cadê a investigação na corrupção do Marinhos), pode dar uma “legitimidade” momentânea aos olhos de uma parte do “senso comum”, de uma parcela do povão e da classe média. Porém, tudo isto se baseia – e se baseará numa solução de continuidade de, mais ou menos, curta duração, e sem nenhuma verdadeira ambição de resolver os problemas do país, quer seja o do desenvolvimento econômico com mais empregos e distribuição de renda, o da justiça social e, muito menos O DA CORRUPÇÃO, ou aquelas bandeiras históricas de transformação social.
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A crise está revelando também que o Brasil, o povo brasileiro vive, não apenas uma crise econômica e política, mas.também uma profunda crise jurídica. É UM CÓDIGO CIVIL QUE DATA DO Estado Novo que nos rege. Mesmo LIDO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO DE 1988, ele DEIXA UMA AMBIGUIDADE MUITO GRANDE PARA A DEFESA DOS DIREITOS DOS CIDADÃOS. Existe um monte de LEIS que se contradizem e permitem milhões de interpretações. Não apareceu, salvo engano, em momento algum na leitura deste Professor (Renato Brasileiro cujo link está abaixo e que foi saudado pelo nosso querido Roberto Colavolpe), a ideia de que NINGUÉM PODE SER CONDUZIDO COERCITIVAMENTE sem a presença de seu advogado, como forma de garantir a famoso PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, o direito de ficar calado, de não produzir provas contra si mesmo, etc. A bizarrice é tamanha que se força um cidadão a prestar depoimento para PROTEGÊ-LO, segundo o Juiz Sergio Moro.
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OU SEJA, o Brasil está sendo governado por um aparelho jurídico totalmente ultrapassado, que se aproveita das brechas da Constituição e dos Códigos Civis para FAZER LEIS DE CIRCUNSTÂNCIAS e que são, em cada pensamento, em cada ato, ação política cristalina. O Príncipe de Maquiavel incarnou na oposição à Dilma – Lula e inventou a maneira “menos perigosa” de se dar outro Golpe de Estado. Portanto, a pretensão da vestal de analisar esta política a partir das leis é um dos maiores engodos inventados pela República brasileira. É um profundo equívoco epistemológico pois, a neutralidade política da aplicação de cada lei. Ela inexiste por definição. Desta forma, a crise que estamos vivendo hoje, assume também, uma natureza de crise jurídica-política.
É para salvar o Brasil, tudo bem. Vamos investigar todos os partidos e personalidades do comando aparelho governamental e não apenas os políticos. A tentativa de criminalizar o Instituto Lula pelo recebimento de doações das empreiteiras só será correta se se fizer o mesmo com os outros Institutos. Por que será crime Lula receber pagamento por suas palestras, se não é crime FHC (que se associou ao Clinton também) receber 200 mil dólares por uma palestra sua para os grandes empresários. Convenhamos inclusive que se trata de uma ninharia cobrada por análises especializadas de um ex-presidente para magnatas do comércio mundial. Mas o que é verdade para um, o é também para outros. Por que não se investiga a sociedade entre FHC e Clinton? Estranha esta concepção de Justiça Seletiva com pretensões Republicanas e Democráticas….!!!!! Neste sentido, o profissionalismo do aparelho da Operação Anthem pode realmente está brincando com fogo. Querer preparar o terreno e dar combustível para a Manifestação do dia 13, pode ter ascendido a chama que estava faltando para a mobilização popular conclamada discretamente por Lula, mas retomada incisivamente por outros dirigentes.
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Contudo, uma parte da população – e talvez nós participemos dela, não quer ficar prisioneira do bipartidarismo Lula – Oposição. Para acabar com essa situação na qual dificilmente a oposição conquistará legitimidade duradoura – mesmo depois do jejum de 20 anos, é preciso uma ASSEMBLEIA CONSTITUINTE que institua o Imposto sobre as Grandes Fortunas, o FIM DO FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS POLÍTICAS PELAS EMPRESAS, a instauração de uma NOVA CONSTITUIÇÃO, uma AMPLA AUDITORIA INTERNACIONAL IDÔNEA da Privatização da Petrobras, da Eletrobrás, do Pré-Sal, da Vale do Rio Doce (que virou envenenado). É preciso investigar o PROPINODUTO do PSDB, a corrupção de todos os outros partidos também.
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Não será a alternância de poder que irá tornar o Brasil limpo de montanhas de lama acumuladas. Aliás, a Constituinte será a única forma de se fazer face à crise mundial sem sofrer todas as suas consequências.
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Jorge Nóvoa

4 Respostas to “Dois pesos, duas medidas”

  1. osaciperere Says:

    Íntegra da nota do MPF sobre a 24ª fase da Operação Lava-Jato
    (enviada para a “debates-l” pelo Prof.Luis Paulo Guimarães Santos)

    Estão sendo cumpridos, nesta data, mandados de busca e apreensão e de condução coercitiva para aprofundar a investigação de possíveis crimes de corrupção e lavagem de dinheiro oriundo de desvios da Petrobras, praticados por meio de pagamentos dissimulados feitos por José Carlos Bumlai e pelas construtoras OAS e Odebrecht ao ex-Presidente da República Luis Inácio Lula da Silva e pessoas associadas. Há evidências de que o ex-presidente Lula recebeu valores oriundos do esquema Petrobras por meio da destinação e reforma de um apartamento triplex e de um sítio em Atibaia, da entrega de móveis de luxo nos dois imóveis e da armazenagem de bens por transportadora. Também são apurados pagamentos ao ex-Presidente, feitos por empresas investigadas na Lava-Jato, a título de supostas doações e palestras.

    Ao longo das 23 fases anteriores da Lava-Jato, avolumaram-se evidências muito consistentes de que o esquema de desvio de dinheiro da Petrobras beneficiava empresas, que enriqueciam às custas dos cofres da estatal, funcionários da Petrobras, que vendiam favores, lavadores de dinheiro profissional, os quais providenciavam a entrega da propina, e os políticos e partidos que proviam sustentação aos funcionários da Petrobras e em troca recebiam a maior parte da propina, a qual os enriquecia e financiava campanhas. Esse grande esquema era coordenado a partir das cúpulas e lideranças dos partidos políticos que compunham a base do governo federal, especialmente o Partido dos Trabalhadores, o Partido Progressista e o Partido do Movimento Democrático Brasileiro. O ex-presidente Lula, além de líder partidário, era o responsável final pela decisão de quem seriam os diretores da Petrobras e foi um dos principais beneficiários dos delitos. De fato, surgiram evidências de que os crimes o enriqueceram e financiaram campanhas eleitorais e o caixa de sua agremiação política. Mais recentemente, ainda, surgiram, na investigação, referências ao nome do ex-Presidente Lula como pessoa cuja atuação foi relevante para o sucesso da atividade criminosa, tanto no tocante à quitação do empréstimo obtido pelo Partido dos Trabalhadores junto ao Banco Schahin, por meio do direcionamento ilícito de contrato da Petrobras ao grupo Schahin, a pedido de José Carlos Bumlai, como para que um negócio entre OSX e Sete Brasil se efetivasse. No último caso, há notícia de pagamento de propina que seria destinada, segundo Bumlai teria informado, para parente do ex-Presidente.

    O avanço das investigações revelou, também, evidências de que o ex-Presidente recebeu, em 2014, pelo menos R$ 1 milhão sem aparente justificativa econômica lícita da OAS, por meio de reformas e móveis de luxo implantados no apartamento tipo triplex, número 164-A, do Condomínio Solaris, em Guarujá. Embora o ex-Presidente tenha alegado que o apartamento não é seu, por estar em nome da empreiteira, várias provas dizem o contrário, como depoimentos de zelador, porteira, síndico, dois engenheiros da OAS, bem como dirigentes e empregado da empresa contratada para a reforma, os quais apontam o envolvimento de seu núcleo familiar em visitas e tratativas sobre a reforma do apartamento. Há evidências de que a OAS pagou despesas elevadas para reformar o imóvel (mais de R$ 750 mil), arcou com móveis de luxo para cozinha e dormitórios (cerca de R$ 320 mil), bem como de que tudo isso aconteceu de modo não usual (foi o único apartamento que sofreu tal intervenção) e com o envolvimento do próprio presidente da OAS, Léo Pinheiro. A suspeita é de que a reforma e os móveis constituem propinas decorrentes do favorecimento ilícito da OAS no esquema da Petrobras, empresa essa cujos executivos já foram condenados por corrupção e lavagem na Lava Jato. Além disso, há fortes evidências de que outros líderes e integrantes do Partido dos Trabalhadores foram agraciados com propinas decorrentes de contratos da Petrobras, inclusive por meio de reformas e após deixarem o cargo público, como no caso de José Dirceu, o que já ensejou acusação criminal formal contra este.

    As apurações apontam também para o fato de que o ex-Presidente Lula, em 2010, adquiriu dois sítios em Atibaia mediante interpostas pessoas, pelo valor de R$ 1.539.200,00, havendo ainda fortes indícios de que, entre 2010 e 2014, recebeu pelo menos R$ 770 mil sem justificativa econômica lícita de José Carlos Bumlai e das empresas Odebrecht e OAS, todos beneficiados pela corrupção no esquema Petrobras. De fato, dois sítios contíguos, um colocado em nome de Jonas Suassuna e outro em nome de Fernando Bittar, foram adquiridos na mesma data, em 29/10/2010. Tanto Jonas como Fernando são sócios de Fábio Luís Lula da Silva como foram representados na compra por Roberto Teixeira, notoriamente vinculado ao ex-Presidente Lula e responsável por minutar as escrituras e recolher as assinaturas. Encontrou-se, ainda, mensagem eletrônica que aponta o uso dos adquirentes nominais como interpostas pessoas. Ademais, o ex-Presidente determinou que parte de sua própria mudança, quando do fim do exercício da presidência, fosse entregue na sede dos sítios, para onde foi, com expressiva frequência, ao longo dos últimos anos.

    Para além da suspeita sobre a ocultação de propriedade em nome de terceiros, há fortes indícios, consistentes na palavra de diversas testemunhas e notas fiscais de compras de produtos, de que reformas e móveis no valor de pelo menos R$ 770 mil foram pagos, sem razão econômica lícita, por Bumlai e pelas empreiteiras Odebrecht e OAS, todos favorecidos no esquema Petrobras. Bumlai e a Odebrecht se encarregaram da reforma. A OAS adquiriu móveis no valor de aproximadamente R$ 170 mil para a cozinha, comprada no mesmo estabelecimento em que aquela empresa adquiriu móveis para o triplex 164-A, o que também indica que o imóvel pertencia ao ex-Presidente. Foram encontradas mensagens, ainda, no celular de Léo Pinhero, indicando que os beneficiários da cozinha eram o ex-Presidente e sua esposa, ex-Primeira-Dama. A suspeita, aqui novamente, é que os valores com que o ex-Presidente foi agraciado constituem propinas pagas a título de contraprestação pelos favores ilícitos obtidos no esquema Petrobras.

    Surgiram, ainda, fortes indícios de pagamentos dissimulados de aproximadamente R$ 1,3 milhão pela empresa OAS em favor do ex-presidente, de 01/01/2011 a 01/2016, para a armazenagem de itens retirados do Palácio do Planalto quando do fim do mandato. Apesar de a negociação do armazenamento ter sido feita por Paulo Okamotto, que foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, presidente do Instituto Lula desde o fim de 2011 e sócio do ex-Presidente na LILS Palestras desde sua constituição em março de 2011, o contrato foi feito entre a OAS e a empresa armazenadora. Nesse contrato, seu real objeto foi escondido, falsificando-se o documento para dele constar que se tratava de “armazenagem de materiais de escritório e mobiliário corporativo de propriedade da construtora OAS Ltda.” Paulo Okamotto assinou ainda, em 12 de janeiro de 2016, procuração autorizando a retirada dos bens.

    Por fim, investigam-se pagamentos vultosos feitos por construtoras beneficiadas no esquema Petrobras em favor do Instituto Lula e da LILS Palestras, em razão de suspeitas levantadas pelos ingressos e saídas dos valores. De fato, a maior parte do dinheiro que ingressou em ambas as empresas, ao longo de 2011 a 2014, proveio de empresas do esquema Petrobras: Camargo Correa, OAS, Odebrecht, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão e UTC. No Instituto Lula, foram 20,7 dentre 35 milhões que ingressaram. Na LILS, foram 10 dentre 21 milhões. Quanto às saídas de recursos, além de beneficiarem pessoas vinculadas ao Partido dos Trabalhadores — cumprindo recordar que o esquema da Petrobras era partidário -, elas beneficiaram parentes próximos do ex-Presidente, por meio de pagamentos a empresas de que são sócios. Além de tudo isso, a própria presidência do Instituto foi ocupada, em dado momento, por ex-tesoureiro de sua campanha que é apontado por colaboradores como recebedor de propinas que somaram aproximadamente R$ 3 milhões, decorrentes de contratos com a Petrobras, o que, mais uma vez, mostra o vínculo de pessoas muito próximas ao ex-Presidente com os crimes e indica possível ligação das próprias empresas ao esquema ilícito e partidário que vitimou a Petrobras.

    Todos esses fatos estão sendo investigados no âmbito da Lava-Jato porque eles se relacionam com o destino de verbas desviadas da Petrobras por empresas e pessoas participantes do megaesquema criminoso. Os fatos são de competência federal não só por se relacionarem com crimes financeiros e de lavagem de dinheiro transnacional, mas também por haver fatos praticados quando o ex-Presidente estava no exercício de mandato no âmbito da União Federal, onde possivelmente sua influência foi usada, antes e depois do mandato — o que é objeto de investigação —, para que o esquema existisse e se perpetuasse.

    Ressalta a Força Tarefa do Ministério Público Federal que a investigação sobre o ex-Presidente não constitui juízo de valor sobre quem ele é ou sobre o significado histórico dessa personalidade, mas sim um juízo de investigação sobre fatos e atos determinados, que estão sob suspeita. Dentro de uma república, mesmo pessoas ilustres e poderosas devem estar sujeitas ao escrutínio judicial quando houver fundada suspeita de atividade criminosa, a qual se apoia, neste caso, em dezenas de depoimentos e ampla prova documental. Conforme colocou a decisão judicial, “embora o ex-Presidente mereça todo o respeito, em virtude da dignidade do cargo que ocupou (sem prejuízo do respeito devido a qualquer pessoa), isso não significa que está imune à investigação, já que presentes justificativas para tanto.

  2. Blog do Saci-Pererê Says:

    […] Leia mais AQUI […]

  3. Jorge Nóvoa Says:

    Caro Menandro,

    Eu lhe trato de caro e você me trata pelo tom solene de Professor. Não sei se o que diz sobre o fato de meu texto ter sensibilizado à todos tem algum fundamento. Na verdade eu acho que se trata de ironia pura. Mas provavelmente injustificada. Não é e não foi meu objetivo polemizar com você. Há tempo sigo mais ou menos as coisas que você escreve e que alguns colegas também e simpatizo muito com seu blog. Contudo, o que me motivou escrever para o único veículo do movimento docente extra – oficial creio ser o seu.

    O núcleo de minha reflexão você não considerou: creio que existe um movimento de opinião que não aceita a dicotomia “bi-partidária” entre, de uma lado Sergio Moro – PSDB – PMDB – DEM – PPS – PP – PTB e do outro Lula – Dilma – PT- PCdoB e que pode ter encontrada a saída para a armadilha na qual o movimento social se acha encurralado. E neste sentido, o que fiz não foi necessariamente uma defesa incondicional do Governo, nem de Lula, mas sim mostrar a insustentabilidade e a incoerência da chamada oposição e o caráter político mais ou menos dissimulado da Operação Lava Jato e seu último episódio. Além disso tentei mostrar a incongruência de leituras que se pretendem puramente jurídicas.

    É claro que as mortes e assassinatos de jovens negros como a que ocorreu há um ano precisam ser denunciadas e na medida de minhas forças e o faço. Todavia, se podemos comprar em termos relativos os dois acontecimentos, não há como negar a gravidade daquele de sexta-feira, 4 de abril, vez que ele concentra na ponta política todo ou quase todo o dilema jurídico – político da sociedade brasileira na conjuntura atual. Ao mesmo tempo, se uma parte da população procura uma saída da dicotomia entre deus e o diabo, uma parte importante e talvez ainda majoritária que elegeu Lula (haja vista a última pesquisa Data Folha desta semana que indicava que ele como o mais popular ex-presidente) e Dilma (e eu não estou falando dos aparelhos sindicais ou políticos) ainda se refere a Lula que a mesma pesquisa indicou como imbatível se as eleições fossem hoje. A questão, portanto, não é caracterizar Lula como deus ou como diabo e de qualquer modo ele não mais, nem menos santo que todos os políticos que estão aí.

    Não vejo possibilidade de um aprofundamento da crise política brasileira com saída positiva, simplesmente dando continuidade ao Governo Lula – Dilma ou, como querem outros – muitos dos quais bem intencionados que terminaram aderindo às manifestações da “oposição”, mantendo os quadros jurídicos – institucionais que estão aí. Afora eventos espontâneos que possam ultrapassar todas as previsões, uma saída positiva pode indicar, pois, a necessidade de uma Assembleia Constituinte.

    Em síntese foi o que quis dizer.

    Abraços à todos e a você também,

    Jorge Nóvoa

    • osaciperere Says:

      Ops! Querido Jorge, desarme-se!

      Não houve qualquer ironia da minha parte e considerei tudo o que vc disse, aliás, com muita propriedade. Por que diabo algumas pessoas acham que sou irônico e chargista o tempo todo? Rss.

      Só aproveitei o ensejo para fazer alguns esclarecimentos que me parecem pertinentes. No Zap da Faced, estamos travando um animado diálogo sobre tudo isso que aí está. Alguns dizem, injustamente, que estamos batendo em Lula e deixando FHC e Aécio voarem soltos. Acontece que a bola da vez agora é Lula, o que não significa que não vamos também insistir que o mensalão, o propinoduto e quejandos tucanos não serão também contemplados. A vez deles chegará. Com ou sem Moro. Sem falar que o meu dia só tem 24 horas… Rss.

      Grande abraço e continuemos dialogando. A UFBA setentona tem que ser sacudida! Rss.

      Abração,
      Menandro

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      Obs: O Saci, que tem tanta intimidade com o Pica-Pau, só se refere ao nosso lúcido polemista maior como Prof. Francisco Santana.

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